Resenha: Phoenix Wright: Ace Attorney Trilogy

Olá, pessoal!

Tive a oportunidade de jogar esses dias o Phoenix Wright: Ace Attorney Trilogy que ganhei de um bom amigo ano passado. Achei ele bastante interessante e pensei em escrever alguma coisa a respeito dele.

Antes de começarmos, porém, gostaria de dizer que sou aquele tipo de pessoa que não se incomoda em ser atingido com revelações de enredo em nenhuma mídia. Eu acredito que se uma obra é “estragada” pela revelação de algo que acontece em sua história, muito provavelmente ela não é uma obra muito boa. Isso é verdade na literatura, mas também se aplica a outras coisas como jogos, filmes e peças de teatro.

Infelizmente, boa parte das obras populares nos dias de hoje acabam se baseando exatamente em mistérios e reviravoltas que, se revelados, estragam a experiência com ela. Isso é claramente verdade com romances policiais, mas também com jogos como Danganronpa e Ace Attorney que acontecem ao redor de um mistério a ser solucionado e a um culpado a ser encontrado.

Assim, nesses casos, eu sou a favor da ausência de revelações de enredo sempre que possível. Afinal de contas, pensar a respeito do mistério que envolve todos os eventos com os quais nos deparamos é parte do jogo proposto pelo romance policial, ou pelo game.

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Dito isso, posso garantir que Ace Attorney se baseia nas mesmas premissas de romances de mistério. Embora controlemos as ações de um advogado de defesa e não de um detetive (como seria o esperado no gênero), ainda assim sua estrutura é a mesma: cada caso possui pistas (evidências e testemunhos basicamente) que apontam para uma verdade que se mostra difusamente por meio delas. E é o objetivo do jogador ajudar Phoenix Wright a perceber essas verdades e conseguir o veredito que busca em todos os julgamentos em que participa.

E, por se tratar de um jogo, isso é tanto bom como ruim.

Ao lermos um romance policial, podemos somente prosseguir na leitura enquanto aguardamos que o autor confirme nossas hipóteses acerca do crime que está sendo apresentado. Todavia em Ace Attorney há a exigência de que façamos a coleta de evidências por nós mesmos e que as utilizemos nos momentos “certos”.

“E qual o problema disso?”, algumas pessoas poderiam perguntar. E a resposta é simples: muitas vezes já sabemos como utilizar determinada evidência, mas o jogo foi programado de forma a somente permitir o uso daquela evidência dali a três ou quatro evidências que parecem desnecessárias naquele momento. E boa parte do meu tempo “perdido” em Ace Attorney foi lidando com “erros” similares.

Como alguns casos são bastante simples e óbvios (mesmo fora dos primeiros que funcionam como tutoriais), isso com certeza não é uma experiência exclusiva minha. Todavia, preciso dizer que isso em nada afetou minha diversão com o jogo. É um tanto quanto maçante saber que estamos certos, mas que o jogo nos acusa de estarmos errados e…

Pensando desse jeito, será que foi intencional para que nos sentíssemos como os acusados injustamente defendidos por Wright?

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Com certeza não.

De qualquer maneira, tirando isso do caminho, quero pontuar uma das coisas que eu mais gostei do jogo: a interação entre os personagens. Especialmente a relação do Wright com todos eles.

O jogo é recheado com clichês de obras da cultura pop japonesa e isso é percebido nos estereótipos dos personagens que encontramos. Temos a mentora sábia e misteriosa, o rival que ajuda o protagonista a amadurecer (e vice-versa), o tapado de bom coração e por aí vai. Mas nunca aparecem em um grau exagerado. Mas dentre todos eu gostaria de destacar uma em especial por ter me surpreendido positivamente: Pearl.

Essa criança aparece a partir do segundo jogo e eu fiquei bastante surpreso com o fato dela não seguir dois dos estereótipos usuais para personagens de aparência similar. A Pearl não somente não é infantilizada em excesso, mas também não é extremamente madura (e arrogante) para a idade dela. E embora tenha um jeito de falar mais adulto por conta de sua criação rígida, ela realmente parece ser uma menina de sua idade.

O fato dela não odiar o protagonista ou ter uma queda por ele também é outro fator importante. Ela realmente admira sem qualquer inveja ou ciúme a proximidade de sua prima Maya com Wright e constantemente deixa claro que quer que eles sejam sinceros com seus sentimentos e fiquem juntos logo de uma vez por todas.

A relação da Pearl com o Wright é bastante natural, mas o mesmo pode ser dito de todos os relacionamentos que Wright estabelece ao longo dos jogos. Todos, sem exceção, parecem plausíveis e vivos. Em certos momentos eu estava mais envolvido com o delineamento dessas relações do que com os mistérios dos casos que se apresentavam para mim.

A música também é muito boa e ajuda a compor toda a atmosfera necessária ao jogo. Desde as faixas mais tranquilas de investigação e preparação para o julgamento como aquelas mais agitadas que emolduram os conflitos, ataques e defesas no tribunal. Vale destacar ainda a presença de um dos meus compositores favoritos do mundo dos games: Noriyuki Iwadare conhecido, entre outras coisas, pelo seu trabalho com as séries Langrisser, Lunar e Grandia. O arranjo que podem ouvir abaixo foi feito por ele.

Já conhecia algumas das faixas pelas sátiras feitas com os sprites do jogo em outros contextos, mas realmente souberam utilizar bem não apenas a música, mas também os efeitos sonoros adequadamente.

Apesar de lidar com temas sérios (assassinato e pena de morte estão no cerne dos jogos), o jogo é bastante leve. Diferente de Danganronpa que beira o exagero pelo seu foco no desespero, Ace Attorney mostra situações desesperadoras com humor. Diversos diálogos são engraçadíssimos e, mesmo quando acontecem em meio a grande tensão, eles não soam destoantes e se encaixam perfeitamente naquilo que o jogo mesmo oferece. Provavelmente por mostrarem Wright é um “sujeito comum“, uma pessoa como uma daquelas várias com que esbarramos em nossos trabalhos e estudos cotidianos por aí.

Com relação à estrutura dos jogos, os dois primeiros são bastante lineares e seguem uma ordem cronológica fácil de ser compreendida. Para o terceiro jogo, por outro lado, os desenvolvedores optaram por uma coisa um pouco diferente. Não apenas a ordem dos casos não é cronológica como também controlamos outros advogados de defesa além do Phoenix Wright. E isso é a princípio bastante confuso, porque a relação íntima que conseguimos perceber entre os casos nos primeiros jogos não reaparece aqui com facilidade e “ouvir” os pensamentos de outros personagens nos fornece uma faceta “estranha” deles.

Preciso admitir inclusive que minha primeira impressão do terceiro jogo não foi das melhores. Os três primeiros casos me pareciam somente uma colcha de retalhos costurada com a única pretensão de usar o nome Ace Attorney para fazer um dinheirinho extra. Quando cheguei ao quarto caso, porém, comecei a pensar que havia alguma coisa estranha no ar e, finalmente, tão logo começamos o quinto caso não pude evitar um sorriso de satisfação.

O terceiro jogo escolheu uma narrativa com idas e vindas em momentos diferentes no tempo para culminar em um quinto caso que amarra todas as suas pontas soltas e ainda faz relações importantes com os jogos anteriores da série. Um objeto importante nesse caso e que serve para descrever isso que estou dizendo é a shichishitô (七支刀) que podemos chamar de “Espada de Sete Ramos“. No jogo repetem uma informação importante sobre ela que Gumshoe repete neste caso: “esta espada representa as múltiplas ramificações que a vida pode tomar, todas culminando em uma só“. Ou seja, os dois primeiros jogos e os quatro casos anteriores culminaram no destino que estava traçado para Wright enfrentar neste quinto e último julgamento da trilogia.

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Se minha impressão inicial foi a de que o terceiro jogo era inferior aos dois primeiros, terminá-lo me fez ter a certeza de que se superaram nele. Por isso eu recomendo a trilogia principalmente pela forma magistral com que ela termina.

Talvez valha a pena mencionar ainda que a série animada (que possui duas temporadas que cobrem essa mesma trilogia) é bastante interessante e possui uma excelente trilha sonora, mas ela deixa a desejar um pouco na construção dos relacionamentos que mencionei antes e nos próprios personagens ao abusarem exageradamente dos clichês presentes nos jogos. Além disso, os mistérios são bastante simplificados e, embora os resultados sejam os mesmos dos jogos, não conseguem empolgar tanto quando a apresentação das evidências e às reviravoltas que provocamos ao controlarmos Wright e outros advogados de defesa. Vale destacar ainda a “aliviada” que deram nos temas tratados nos jogos. Por exemplo, enquanto que a pena capital de alguns dos assassinos condenados é mencionada ambiguamente nos games (como é característico da língua japonesa), ela é claramente negada na maior parte do anime. Portanto, acredito que valha como curiosidade, mas este é um caso em que os jogos realmente oferecem o que de melhor está disponível para essa trilogia.

Pouco antes de terminar o terceiro jogo, um amigo me recomendou a tradução de fãs feita ao português que é bastante interessante, principalmente pela preocupação com os nomes dos personagens que, no original e em inglês, estão recheados de trocadilhos. Podem conferir por vocês mesmos aqui, mas a tradução e adaptação para o inglês já é igualmente excelente de qualquer forma.

Obras literárias clássicas de mistério são aquelas que ainda são lidas e relidas mesmo quando sabemos quem é o assassino do caso que se propõe a expor. Infelizmente, muitas obras literárias contemporâneas do mesmo gênero não promovem a mesma coisa. Com games a mesma coisa acontece. Muitos jogos de mistério que adorei jogar não me empolgaram o suficiente para que os jogasse uma vez mais e, por esse motivo, acredito que dificilmente se tornarão em clássicos.

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Fiquei com essa mesma impressão de que não voltaria a seus mundos tão logo terminei Danganronpa, por exemplo, e também AI Somnium Files. Mas devo admitir que Ace Attorney me deixou em dúvida. Não tenho a pretensão de jogá-lo novamente em breve, mas acredito que ele tem uma chance um pouco maior de se tornar um pouco como os contos de mistério de Edgar Allan Poe aos quais retornei várias vezes em meu passado mesmo sabendo o que acontece em cada um deles, ou como a trilogia Zero Escape a qual quero retomar assim que tiver um tempinho. E, quem sabe? Talvez o mesmo aconteça com Danganronpa e AI Somnium Files algum dia. Um clássico não é medido por uma única jogatina, mas pela sua repetição em minha própria experiência e na experiência das gerações que vêm depois da minha.

Portanto, vamos observar e aguardar evidências decisivas antes de passar um julgamento!

Até a próxima postagem!

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